A triste sofisticação do "dei a entender"

Publicado em Andei Pensando... e Cotidiano.


A triste sofisticação do "dei a entender"

A importância do conhecimento está proporcionalmente vinculada ao controle de nossos medos. Quanto mais conhecimento armazeno, mais devo me sentir seguro diante das “coisas” que me geram ansiedade, nunca esquecendo que a maior fonte dessa insegurança se localiza dentro de nós mesmos; quando assumimos de forma descompassada nossas fragilidades. 

Partindo-se dessa afirmativa, deveríamos encontrar entre as pessoas consideradas mais cultas, uma melhor e mais frutífera possibilidade de relacionamentos interpessoais, através de diálogos mais objetivos, com explanações contextualizadas e sem distorções, mas infelizmente essa lógica parece cada vez mais difícil de ser concretizada. No lugar de uma fala direta, o que temos nos acostumados a ouvir são expressões do tipo: “falei com fulano, e dei a entender” ou “para bom entendedor, meia palavra basta”, mas no final de muitas dessas conversas descobrimos que a sobra é quase sempre um conjunto de informações disparatadas e sem objetivo.A comunicação não se estabeleceu. 

Em nossos dias, parece-me que quanto mais as pessoas se armam de conhecimento, mais se dedicam ao triste hábito de utilizarem-se de artimanhas lingüísticas, visando resolver suas relações profissionais, sociais e familiares, por meio de frases indiretas, metáforas fora de hora e sorrisos leves, que beiram o amarelo. Posso afirmar que a maior parte dos motivos, que diariamente levam multidões a se sentirem solitárias, e a procura dos mais diversos meios terapêuticos, estão sempre ligados a algum tipo desses mal entendidos. De maneira geral, as pessoas que conseguem ser mais simples e claras, desvencilhadas da condição de prisioneiras de “o que os outros irão pensar”, costumam ter mais sucesso em suas colocações, bem como em suas atividades práticas, pois se preocupam com a acertividade de seus objetivos.

Dizem e seguem aquilo que acreditam, até que alguém prove o contrário. Defendem suas idéias, mas se dando ao direito de aprender com outras opiniões. Por outro lado, em um mundo mais falsamente erudito, por receio de se expressar claramente, correndo o risco de uma má interpretação e crítico julgamento, muitas vezes optamos por frases que deixam apenas um sutil rastro daquilo que realmente queríamos dizer. Quando Paulo escreveu sua primeira carta a Coríntios (1:27), afirmou que: “... Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios...”, ou seja, precisamos nos atirar com mais ousadia em nossas convicções, revelando e debatendo-as.Os sábios, via de regra “se acham”, e isso não acrescenta nada em nossas relações. Pode parecer difícil, mas se cada pessoa revelasse suas verdades, valores, temores e expectativas, teríamos um mundo em que as diferenças, que para alguns são sementes de conflitos, se entrelaçariam, propiciando novos ares para esse ser humano tão carente, porém tão assustado com a idéia de viver novas experiências. 

Não tenha receios de revelar suas verdades, indignações e indagações para aqueles com quem vive, pois se alguém te rejeitar a partir dessas tuas palavras, é porque no fundo só gostava da sofisticada e infeliz mentira que você se revelava. Sabe, certa vez o compositor Gonzaguinha escreveu que: “... cantar nunca foi só de alegria...”, e sem dúvidas precisamos continuar cantando. Lembre-se que todo o teu conhecimento e tua cultura são ferramentas que precisam ser usadas em prol de um mundo melhor. Um mundo que você é digno. Afaste-se de covardes. Redescubra-se e revele-se, pois tem muita gente precisando te conhecer.



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