Brincadeira sem graça

Publicado em Andei Pensando..., Educação, Relacionamento e Psicologia.


Brincadeira sem graça

Uma das maiores preocupações que a psicologia busca compreender nos dias de hoje, diz respeito ao expressivo aumento dos quadros de depressão entre crianças e adolescentes, muitas vezes chegando a causar atitudes extremas como a automutilação e até mesmo o suicídio.

Quando nos deparamos com essas situações, é comum imaginarmos que a vítima venha de um longo histórico de distúrbio emocional ou até mesmo sofra de alguma patologia (doença) mental, o que na maioria das vezes não é comprovado.          

O que podemos afirmar é que todo comportamento de agressão, assim como o de autoagressão, é consequência direta de uma sensação de inferioridade, que tem crescido na medida que a sociedade tem cobrado, cada vez mais, a perfeição nos mais diferentes aspectos da vida. A perfeição física, a perfeição nos resultados escolares e o sucesso nas relações sociais, entre outros aspectos.          

Todas essas cobranças, apresentam dois aspectos: a crítica ao outro, muitas vezes por meio de piadas e sátiras, e a autocrítica, que na maioria das vezes, independente dos comentários de colegas ou até mesmo familiares, leva a criança a se menosprezar, sempre se vendo abaixo das outras.

Nesse momento, você pode estar lembrando que quando éramos crianças, tudo isso também acontecia, por meio de apelidos indesejados e outras “brincadeiras de mau gosto”, porém observe que a cobrança pela superação era muito menor, e que hoje, mais importante que a intensão nas palavras daquele que agride, é a interpretação daquele que recebe o comentário.

No passado, esse perfeccionismo, raramente era tão cobrado, bem ao contrário daquilo que agora observamos. O fato de não obtermos determinado sucesso, em quase todas as áreas, era facilmente compensado pelo prazer das parcerias, convivendo e se reconhecendo nas diferenças. Aprender a conviver com os “nãos” equilibrava as emoções, facilitando e harmonizando as interpretações.          

Essa introdução é para pensarmos a respeito da importância de se buscar entender que, além de pensarmos as razões do agressor, para que ele seja controlado, existe a necessidade de compreendermos e ajudar aquele que se sente agredido, em sua insegurança. Observe que apesar do “bullying” ser conhecido como uma agressão intencional e persistente, que busca intimidar e humilhar, cabe aos pais e às escolas buscarem fortalecer as crianças vítimas dessas “brincadeiras”.

Em outras palavras, o bullying não depende apenas daquilo que é falado pelo agressor e sim daquilo que é ouvido e interpretado pelo agredido, sendo mais importante nos atermos em fortalecer a autoestima daquele que pode vir a se fragilizar, que simplesmente controlar ou até mesmo repreender aquele que agride. Tecnicamente dizemos que todos nascemos egocêntricos, (o que significa que o ser humano se sente naturalmente feliz ao ser valorizado), mas podemos desenvolver o egoísmo (distúrbio emocional que leva a pessoa a sentir a necessidade de superar aos demais), e é justamente esse quadro que tanto tem descontrolado as relações sociais, desde a infância.

Quando o foco da família está em educar para a superação individual, indiretamente acaba hipervalorizando a ideia de “sempre ter que vencer” a ponto de uns considerarem a agressão como instrumento comum, nos momentos que desejam se impor socialmente, enquanto outros acabam acreditando que nunca serão capazes de vencer, com constantes sensações de perseguição e medo do julgamento alheio.

A cobrança constante pela perfeição aliada à incerteza dos resultados, passa então a ser o detonador de dolorosas emoções diante de comentários, olhares e principalmente interpretações distorcidas. Todo esse quadro vem crescendo de forma exagerada com o excesso do uso de redes sociais, que por diferentes caminhos e faixas de idades, tornaram-se facilitadoras da disseminação de exibicionismos, comparações e críticas.

O chamado cyberbullying (bullying virtual) muitas vezes tem superado as situações presenciais. Diante desse fato, cada vez mais comum, a família em conjunto com a escola, precisa valorizar a “não necessidade” do sucesso constante, pois o jovem que não sente a pesada necessidade de se destacar, absorve com muito mais facilidade as adversidades, venham elas de onde vier.

Duas informações que devemos observar:

- O bullying pode começar dentro de nossa própria casa, quando realizamos comparações, mesmo com o intuito de estimulá-los, e

- Especialmente no ambiente escolar, além de se buscar o trabalho com aquele que agride e o que se sente agredido é fundamental que se crie situações de debate com o grupo que assiste e que, na maioria das vezes, valoriza as situações sem perceber.

Proteger os filhos é orientá-los no sentido de aprender a viver com críticas e elogios, venham como e de onde vier. Lembre-se que na afirmação, “o bullying está mais no ouvido e no olhar daquele que se sente incomodado que na boca ou conduta daquele que fala”, precisamos compreender que estamos falando de uma sociedade que caminha na contramão de um mundo adulto e profissional que já apresenta mudanças naquilo que é esperado de nossos jovens.

Comunicação, atividades e decisões em grupo, o exercício de liderar e ser liderado, ouvindo muito para filtrar e, apenas depois realizar suas colocações, são atributos básicos para que esse fortalecimento das crianças, se torne realidade. Acabar com o bullying é antes de tudo retomar a valorização das relações interpessoais com menos preconceitos e competições desnecessárias.

Estamos protegendo nossos filhos, ao insinuarmos que sempre estaremos presentes ou lhes propiciando um olhar mais amplo com referências menos competitivas e mais colaborativas, visando a autonomia deles?



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