A necessária descoberta do que temos e somos
Publicado em Andei Pensando..., Educação, Cotidiano e Psicologia.
Vivemos um momento em que as contradições são utilizadas para justificar a razão de muitos se encaixarem em determinado grupo enquanto outros cerram carreira em contraposição. Algo nesse sentido: “Se penso assim logicamente não posso pensar assado, e pronto”! Essa visão restrita está diretamente ligada a uma cultura que insiste em nos dizer que “se algo é certo” então todo o restante tem que ser considerado como incorreto.
Isso com certeza nada tem de lógico, já que, por melhor que eu considere uma determinada estrada, outras pessoas têm o direito de optar pelos caminhos que desejarem, seja por considerá-los mais agradáveis, curtos, baratos ou até mesmo mais românticos. Além disso, há uma crescente suposta necessidade de se ter coisas, quer objetos, riquezas ou histórias fantásticas.
Com certeza, não existe nada de errado em se buscar ou atingir conquistas na vida. Pois, diferente de outros seres vivos, o humano existe para, indo além do óbvio, colocar em prática todas as competências que lhe são atribuídas. O problema só existe quando a obrigação do sucesso rouba o equilíbrio da pessoa com ela mesma. Estar equilibrado sempre depende de estarmos apoiados em, pelo menos, dois pontos: conhecimento e paixão.
A paixão que possibilita sacrifício e ação; e o conhecimento promove as transformações e controla o ímpeto da paixão. A paixão sem o conhecimento cria pessoas fanáticas, enquanto o conhecimento sem a paixão leva o ser humano a se transformar em um ser legalista, crítico e chato.
Assim sendo, se há algo que que precisamos ter é “conhecimento” para estruturar nossos desejos e paixões. Há muito tempo venho trabalhando com essa questão existencial e por essa razão aproveito aqui para algumas considerações: o que significa ser um ser humano? Que características marcam essa existência?
Repare que somos a única espécie animal que inclui o verbo “ser” na própria definição de espécie. Em qualquer ambiente que frequentemos, ouvimos pessoas tendo a necessidade de dizer que são “isso ou aquilo” ou que compraram “essa ou aquela” coisa, deixando evidente a insatisfação de simplesmente aproveitarem as oportunidades do momento para o desenvolvimento de relações que sejam frutíferas tanto para si quanto para às demais pessoas que as rodeiam.
Chega a parecer que a conjugação do verbo “viver” só é possível diante da comprovação de algum tipo de história pessoal mirabolante. É o caso de pessoas que não suportam passar por um final de semana sem ter que se vangloriar, em alto e bom tom, de algum feito heroico que marque a própria existência. Esquece-se que o que importa é intervir no meio e no momento que vivemos por meio de atitudes, palavras de colaboração e até mesmo silêncio respeitoso. Que triste essa necessidade, ou doença, de ter que se provar a todo e qualquer custo.
Parto de um conceito claro. Se “sou”, nada preciso demonstrar. Se sei nadar, nado. Se sou um bom profissional, trabalho. Se sou um bom aluno, estudo e atinjo meus objetivos. Assim pensando, um gato prova que é um gato ao se comportar como tal e não fazendo discurso a respeito de suas qualidades felinas.
O que deveria sugerir que ser um humano deve ser demonstrar, sem grande alarde, suas atribuições humanistas. Mas será que nos lembramos de quais são elas? De tanto querer voar como os pássaros, nadar como os peixes ou atingir os cumes dessa ou daquela “pseudosociedade”, tendemos a acabar sem condição de identificar nossas simples, reais e divinas funções.
Ser é não ter a obrigação de se mostrar que é.