Colecionadores de histórias
Publicado em Andei Pensando..., Educação, Cotidiano, Relacionamento e Psicologia.
Lembro-me muito bem do tempo em que tinha o hábito de colecionar figurinhas, chaveiros, selos, moedas e jogadores de futebol de botão. Coisas ingênuas, que preenchiam o tempo e a alma.Hoje observo outros colecionadores que navegam desde objetos simples como pedrinhas coloridas até carros dos mais diferentes modelos e sofisticações.
Seja como for, acredito que colecionadores são pessoas que a partir de um senso incomum de saudade, utilizam-se dos símbolos que permeiam suas vidas para declarar o respeito e a admiração que tem por suas experiências, como homens e mulheres que podem e devem louvar a Deus, não apenas orando ou cantando, mas também admirando e convivendo com toda a criação.Talvez essa seja uma das formas mais simples e direta de se buscar, apesar de impossível, a “compreensão” da própria existência.Ler e reler as entrelinhas do passado.Muitos já escreveram a respeito de suas vivências, cheias de ênfase ou lamentações, mas pessoalmente gosto muito das que estão contidas sob o título “Confesso que vivi”, que o poeta chileno Pablo Neruda deu as suas reminiscências.
Confessar a própria existência me parece ser uma forma muito legal de não se disfarçar os passos que não foram tão satisfatórios como se desejava. Confessar é admitir, e por mais que isso possa parecer óbvio, cada vez mais tenho me deparado com pessoas que preferem continuar fugindo de suas histórias para se espelharem em contos de fadas.
Quando não admito o conjunto de minhas felicidades e decepções, estou perdendo a oportunidade de conhecê-los melhor e utilizar as ferramentas que esses fatos "afiadamente" me colocam nas mãos. Com boas ferramentas e habilidade no uso, sempre somos mais competentes no solucionar problemas presentes e futuros.
Quer desejemos ou não, somos colecionadores de histórias, que humanamente não temos como deixar de ter. A partir delas dispomos sempre de duas alternativas: ou “enaltecemos as glórias e fingimos ignorar os fracassos” ou, como aquele apaixonado por seu fusquinha que curte cada detalhe do design e das memórias vindas do possante, “aprendemos a buscar a compreensão do significado dessas experiências”, como um cuidadoso ourives a lapidar sua joia. Se pedirmos para uma pessoa inexperiente soltar a porca de um parafuso enferrujado, provavelmente fará muita força sem atingir o objetivo, porém alguém com o olhar mais afinado pelas histórias vividas, provavelmente com o uso de um spray desengripante, acabará fazendo muito menos força para atingir o mesmo objetivo.
Quem cuida bem de sua coleção de histórias, revendo-a e organizando-a de acordo com os novos itens que diariamente são acrescentados, sempre estará mais apto a solucionar e/ou saber esperar a hora de agir diante das adversidades.Viver não consiste em “matar um leão por dia” até porque muitos dias se assemelham mais a gatinhos mansos, e nem ter a obrigação de sacar ideias ou atitudes mirabolantes, a exemplo de super heróis incapazes de relaxar quando as coisas andam bem.
Os grandes colecionadores sabem que o tempo sempre trabalha a favor deles. Sabem também que os itens mais antigos, desde que bem cuidados, tendem a ser mais valiosos, e por essa razão parecem não temer tanto o deslanchar da idade quer dos objetos ou de si próprios.Somos itens de nossa própria coleção e necessitamos cuidadosamente exercitar a releitura de cada um de nossos passos.Quanto mais idade mais histórias; mais histórias mais ferramentas; mais ferramentas mais facilidade em administrar os próximos passos.
Não guarde suas histórias apenas para se vangloriar diante de teus netos, pois talvez eles nem queiram ouvir. Reinvente-se com elas.
Bons colecionadores nunca deixam suas coleções mofando em gavetas.Envelhecer, como bons colecionadores, é uma dádiva.