Não culpe o machado

Publicado em Andei Pensando..., Educação, Cotidiano, Relacionamento e Psicologia.


Não culpe o machado

Tenho reparado o quanto que, infeliz e invariavelmente, estamos nos acostumando a falar de nossas adversidades e suas causas, sempre buscando a quem ou a que fato específico responsabilizar pelos tormentos.Parece que nos esquecemos de que, mesmo diante dos maiores temporais, pontes e outras edificações bem alicerçadas, podem até sofrer ranhuras, mas em sua maioria, resistem.

Quando construída dentro de critérios de segurança, as obras por mais ousadas que suas linhas aparentem ser, sobrevivem ao tempo e aos ventos, mantendo escancaradas suas características e peculiaridades. Grandes obras da humanidade, espalhadas pelos mais diferentes recantos do planeta, estão sempre prontas a lembrar a importância dos saberes dessa ou daquela determinada época que representam.É como se os símbolos resistissem aos séculos com a clara função de manter acesa nossa memória.

Bem, apesar da compreensão da importância desses sinais, quando voltamos os olhos para a análise de nossa história pessoal, tendemos a fugir de alguns dados e constatações que, apesar de colhidos e muitas vezes confirmados, não queremos aceitar.Muitos de nossos fracassos são pensados e interpretados a partir do dia em que “fulano fez ou disse determinada coisa”, como se aquele exclusivo momento pudesse ser responsável por todos os lamentos que por ventura venham a ocorrer posteriormente.

A quebra de confiança em nossa sociedade, a traição descoberta, a desesperança no futuro do filho ou de si próprio, são fatos que podem até ser marcados por uma descoberta específica, mas ignorar os sinais visíveis de desgaste nas relações humanas é, no mínimo, um ato de “desesperteza”.Enquanto madeiras nobres caem diante do machado e da motoserra, mas não sem antes dar trabalho ao lenhador, as árvores apodrecidas ou atacadas por cupins e brocas, se desmancham ao primeiro toque de qualquer ferramenta, por mais dócil que seja.Fico impressionado com a forma como fazemos questão de desvalorizar e cuidar dos pequenos sinais de instabilidade em nosso cotidiano.

Chega a parecer que frases como “todo casal briga”, “adolescente é assim mesmo” e “errar é humano”, são verdades absolutas que não devem e nem podem ser questionadas.É como se precisássemos de um marco para definir o início do problema, quer para ser remexido ou simplesmente identificado.“Depois que conheceu a namorada, esse menino não é o mesmo”!“Após o nascimento do filho, ele não para mais em casa”!“Desde que perdeu aquele emprego, ela parou de se cuidar”!

Experimente pensar essas afirmações por outros ângulos.“Esse menino tinha medo de se expressar e um dia tinha que colocar suas idéias para fora”. A namorada é só um marco.“Ele nunca esteve preparado para abdicar da liberdade de solteiro”. Todos sabiam, mas queriam acreditar que com o nascimento do filho tudo mudaria.“Ela não se gostava. Drogava-se do trabalho porque somente ali se acreditava útil”.Por que nada fizemos por eles, se já sentíamos que algo andava mal?Por que nunca buscamos prevenir?

Optamos pela esquiva só por ser mais prática e simpática aos que nos rodeiam?É estranho, mas continuamos a perpetuar o hábito de culpar o machado pela queda da árvore que, infestada de cupins que podiam ser destruídos, já estava predestinada a tombar.



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