O bobo e o general

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O bobo e o general

Era uma vez, em um reino encantado não muito diferente ou distante do nosso, um bobo da corte que em suas poucas horas de folga gostava de transitar disfarçadamente no meio da plebe local.Sem suas vestes de bobo, e apesar de sempre manter em sigilo sua função palaciana, ao lado da realeza, também no meio do povo era conhecido como um bobo ou inocente, sem o menor sinal de esperteza.Bobo e feliz, não se abalava com esses comentários, pois com sua experiência, vivenciando dois mundos tão diferentes, aprendeu a não se incomodar com as pessoas e seus inerentes conflitos, antes que realmente viessem a significar problemas.

Observe, já que é inevitável nos depararmos com situações que escapam de nosso controle, é recomendável aproveitar essa oportunidade para primeiro prestar atenção e aprender algo com essas pessoas, para só então, e se necessário, se posicionar.Nesse mesmo palácio residia muita gente que, com o passar do tempo passou a se orgulhar de ser esperta.Entre tantos, se destacava o nobre general Lupércio, que com muita dedicação, entusiasmo e perfeccionismo ostentava o título de comandante geral da defesa.Na formação da personalidade humana, entre tantas coisas que me intrigam, fico sempre preocupado com o instinto de defesa.

A exemplo de outros animais, nascemos e gradativamente devíamos ir nos especializando em administrar essa arma tão útil, mas infelizmente isso não tem sido tão simples.O general Lupércio pertence ao grupo, cada vez maior, daqueles que de tanto se preocuparem com a defesa, acabam se esquecendo de sonhar com o futuro e cumprir a função humana de recriar o paraíso.Repare ao teu redor, quanta gente se desgasta de forma enfadonha, preocupando-se em mostrar esperteza diante do mundo, a ponto de não se dar ao direito de relaxar e usufruir os bens de simplesmente se viver.

Ser esperto dá o maior trabalho.Lá no tal reino encantado, enquanto o bobo participava das alegrias e dissabores da corte, sempre com a visão de que “já que é isso que o mundo diz, é nisso que eu vou buscar viver e intervir quando possível”, lá no (muitas vezes desnecessário) “front”, o bom, velho e esperto general Lupércio mantinha armas e armaduras em estado de alerta, a ponto de não perceber que, apesar de termos muito o que fazer quando visamos solucionar dificuldades, a maior parte delas não está em nossas mãos e podem ser dependentes de uma coisa chamada tempo.

Caetano Veloso certa vez definiu o tempo como sendo “... o senhor do destino, tambor de todos os ritmos...”, e pessoalmente acho bom nos atermos a essa questão pois, sem a menor sombra de dúvidas, ele não nos pertence.Pode parecer frustrante termos que viver sem o controle ou a certeza dos acontecimentos a nossa volta, mas já que essa é uma de nossas verdades, não podemos permitir que o medo de virmos a ser considerados bobos, nos mantenha em constante estado de tensão.

Se ao receber o impacto de uma má notícia entro em sofrimento, sofreria muito mais caso viesse a passar dias e dias ansioso com a possibilidade dela. Claro que sendo um precavido general, Lupércio precisava estar atento a toda e qualquer alteração do ambiente, mas observe que toda postura muito rígida, ao perder a maleabilidade, está sempre muito perto de quebrar. 

Quando as coisas escapam de nossas mãos, e ficamos com a impressão de sermos incompetentes, frágeis e passíveis de sermos devassados por qualquer provável inimigo, é chegada a hora de se repensar: será que existem todos esses inimigos?A energia gasta com a ansiedade e a necessidade de permanecermos em estado de alerta é a mesma que nos faltará quando realmente viermos a ter que agir diante de alguma situação.Lá naquele reino encantado, as últimas informações dizem que o general, em razão de tanta preocupação, teve mais um princípio de enfarto, enquanto aquele bobo da corte tem sido constantemente visto ao lado de muita gente diferente e interessante.

Tenho até inveja de todo esse aprendizado novo, que ele deve estar usufruindo.Sabe, visitando aquele reino encantado aprendi que na verdade, ser esperto consiste em não precisar ser.



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