Será que temos que poder tudo?

Publicado em Andei Pensando..., Educação, Cotidiano, Relacionamento e Psicologia.


Será que temos que poder tudo?

Nesses tempos em que tanto se fala de crise mundial, sempre se colocando o terror nas fragilidades financeiras do mundo, ficamos com a impressão de finalmente termos encontrado a desculpa ideal para todos os males de nossa vida. O problema estaria na correria de uma vida focada em objetivos nada pessoais, que nos levam a sonhar o sonho dos outros.Impressionante como nossa tão avançada civilização deixou-se perder em meio a tantos e diferentes estímulos externos, em sua maioria sem a menor importância.

Será que há algum tempo atrás já não era possível prever o rumo estranho que “as coisas” vinham tomando, ou será que a falsa idéia, amplamente divulgada por inúmeros teóricos de plantão, do humano se comportar como gestor de sua vida, passou a ser vista como verdade absoluta, seguindo a linha do “você é o dono de teu destino”, com se a existência só se justificasse por nossa soberania a todo custo.Diante dessa situação, acredito que tudo teve início na desenfreada aceleração de nossa busca pelo poder, quer pessoal ou institucional, bem como na absurda alegação de que “no mundo de hoje” não é possível viver sem toda informação que se encontre, custe o que custar.

Observe que quanto mais informações, mais desejos e consequentemente maior a nossa necessidade de compreender e ter que resolver problemas, inclusive àqueles que nunca estiveram ou estarão a nossa disposição ou mesmo zona de interesse. A meta passou a ser a de atingir todas as metas e, as não atingidas tendem a se somarem na criação de uma crônica sensação de impotência diante do mundo.Nessa correria a procura de “sei lá o que”, o que mais tem me assustado é o fato de, além de nos destruirmos em meio a esse processo desgarrado, temos feito questão de transmitir esse olhar distorcido para as crianças e jovens que até poucos anos atrás se caracterizavam por ser a expressão da esperança.

Crianças facilmente descartariam suas insatisfações e as substituiriam por novos projetos.Agora dizem que a alegria do simplesmente viver bem, de repente precisa ser substituída pelo status de controladores desse viver.Dessa forma, na medida em que esse covarde modelo adulto vai sendo transferido para os mais jovens, passamos a perder a referência daquilo que realmente deve ser o humano em sua essência.Escolas e famílias, preocupadas em preparar os adultos de amanhã, sem se dar conta, andam apoiando esse equivocado conjunto de valores, incentivando a pedagogia da vitória a qualquer custo e sua consequente cultura do fracasso.

Fracasso de nem sempre poder estar em primeiro lugar, ser o mais belo, mais inteligente ou ter o sucesso garantido.Para contrapor-se a esse objetivo da busca do sucesso a toda prova, cabe aos educadores (bem como os pais) parar com essa postura de aceitar tudo como normal, e se embrenharem na busca de novos caminhos que equacionem os conceitos de autoestima e convívio social.

A ideia é gostar-se sem precisar estar constantemente competindo com aqueles que estão ao seu redor. O escritor Rubem Alves em um “grande livrinho” intitulado “Histórias de bichos”, conta a lenda de um galo que cantava para fazer o sol nascer. O galo realmente acreditava em sua importância fundamental de despertador do astro rei, até que certa manhã perdeu a hora de acordar e então todos, inclusive ele, descobriram que a claridade e o calor do dia não estavam em suas galináceas mãos, o que o fez entrar em depressão (sentimento de menor valia), se isolando por muito tempo, receoso das críticas alheias.

Dias depois, após um grande período de reclusão, em certa manhã lá está de volta o galo cantor se exibindo para todos e, quando perguntado a respeito do motivo daquela cantoria, já que estava provado que o sol não dependia da mesma, responde:“- Antes eu cantava para fazer o sol nascer e agora eu canto porque o sol nasceu”.

Antes ele se esforçava por sua importância diante do mundo e agora se esforça pelo prazer do ir se conhecendo, e conhecendo...Não se deve estudar com o único objetivo de passar em um vestibular ou superar as matérias X ou Y. O estudar é para vencer as próprias limitações, nos tornando mais aptos a compreender e interferir no meio em que estamos plantado.

Existimos para dar fruto onde estamos plantados.A mesma escola que tradicionalmente alimenta o aluno com os ingredientes do conhecimento científico e burocrático é a escola que tem total condição de levar seus alunos a vivenciar suas potencialidades, porém sem a obrigação de demonstrar seus poderes.Lembre da história do homem-aranha, identidade secreta de Peter Park, em que seu tio o aconselha dizendo que “muitos poderes exigem muita responsabilidade”, quando questionado a respeito do que fazer quando se tem habilidades especiais. 

Não pense que o incentivo e a valorização do conceito de “curtir a vida” representam proporcionar uma visão de irresponsabilidade aos mais jovens, mas sim minimizar o impacto da desnecessária e mentirosa idéia de que a todo o momento precisamos estar em busca de vitórias e superação.Pessoalmente odeio a expressão “nessa vida temos que matar um leão a cada dia”, em razão de muitos de nossos dias apresentarem problemas muito mais semelhantes a gatinhos siameses do que a ferozes reis da selva. 

Por minha experiência com professores das mais diferentes formações, acredito em uma escola que valorize o ser em suas diversas possibilidades e, ao mesmo tempo, trabalhe o noção de “vitória” apenas como uma das partes do processo em busca do crescimento de cada indivíduo. A superação dos próprios limites não significa termos que sempre estar enfrentando essa ou aquela situação, e sim de não temos que provar quase nada daquilo que parece ser exigido.Podemos muito, mas não precisamos ter o poder sobre tudo.



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