Viola, furria, amô, dinhêro não

Publicado em Andei Pensando..., Educação, Cotidiano, Psicologia e Religião.


Viola, furria, amô, dinhêro não

Texto em parceria com Sérgio Pereira (www.baixoevoz.com.br)

No programa semanal Papo e Arte, de 01 de agosto, dirigido por Stênio Marcius, Selma Nogueira ,e Diego Venâncio, tivemos a oportunidade de ouvir mais uma vez Arlindo Lima, que apresentou a música “Descomplicado” (aos 41min), com nítida influência de Elomar Figueira de Mello, um dos compositores mais interessantes da música brasileira.

Em determinado momento de sua apresentação, Arlindo comentou: “Quem não encontra Deus ouvindo Elomar, vai ter dificuldade com (a interpretação de trechos do livro bíblico de) Crônicas”.

Nascido em Vitória da Conquista (BA), em 1937, formou-se em arquitetura pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e estudou algum tempo na escola de música dessa universidade. Filho de protestantes batistas, suas letras têm várias menções à Bíblia como em “A meu Deus um Canto Novo”, do seu antológico e recomendado trabalho “Na Quadrada das Águas Perdidas”, de 1978 (veja a letra e ouça a música).

O intrigante é que esse baiano com intelectualidade universitária se dispôs a sair da correria da metrópole para viver no agreste, cercado de cabras, gentes e causos ricos da mais simples honestidade. E foi nesse novo habitat que o cantador passou a descobrir outra língua, revestida de vocabulário pequeno, porém muito intenso, que denominou de “sertanez”.

No referido álbum, Elomar nos presenteou com um dicionário repleto de verbetes desse dialeto local e das histórias de como essas canções foram compostas: A meu Deus um canto novo surgiu na quadra das águas em 1997. Muitos, através dos tempos, ofertaram a arte a Deus e temos como exemplo Bach, Mendhelson, Haindyn e outros. Porque, segundo o poeta, não fazer cânticos a Deus, hoje?

O Rei David em sua poética pediu: Louvai a Deus sempre com um canto novo.

A canção vem duma viagem nas Marrecas, cabeceiras do Rio Gavião, em agosto de1977.

Numa curva da estrada antes de atravessar o leito do rio do Gavião, o cantor daquele lugar estanca o carro /

pelo meio dia, e o sol mordendo e o chão escaldante, diante da figura estranha de um homem aleijado e de espírito afeito às dimensões superiores; com a rosto enxarcado de suor e o olhar mergulhado no azul do último céu, fala de conceitos e coisas que muito raramente são dados aos mortais ouvir.

Sorrindo feliz agradece a Deus louvando ou por sentir-se grandemente honrado pela atenção dispensada por um semelhante, pois nunca alguém havia posado diante dele. Esse tipo de andarilho de errante comum na Caatinga.

- “a grande viagem” - o sentido da tradição errante cigana. Os “filhosdo vento” perigrinando na terra, vêm próximo o dia do parar definitivo, ponto final de um processo enunciado e cumprido há séculos.

- “emergi de paragens ciganas” — também vinculado à tradição cigana,conta a tradição que os ciganos viriam de um reino no centro da terra, onde viviam felizes, mas um dia (repetição da visão edênica) foram expulsos e condenados a perigrinar na terra. Emergir, no sentido de vir ao vosso mundo.

- “topei” Te encontrei

- “no pispei de tudo” — no início de tudo

- “istrêla canora” - estrela que canta

Onde temos procurado a Deus?

Será que temos observado sua presença gloriosa e protetora nas sutilezas do cotidiano, assim como Elomar demonstra em seu cancioneiro?             Para ele, “... o que importa é concluir suas óperas, antífonas e galopes, pôr tudo em partituras a nanquim, e enfardados em campa antiga, guardar o monobloco passageiro do tempo até a estação futura, bem-vinda quadra remota, onde o aguarda uma geração que, por justiça, haverá por certo de ouvir e amar sua música tão fora de moda nestes dias. Ó Tempora! Ó Mores!”1 (biografia no site oficial do artista).

Nossa oração é que não seja apenas em gerações vindouras, mas, que nestes dias a música de Elomar venha a ser redescoberta, apreciada e cantada.

Notas:

1. Termos em latim. Significa “Que tempos os nossos! E que costumes!”. Foi proferida pelo filósofo, orador e político romano Cícero (106-43 a.C.).

2. Um documentário muito bem feito sobre Elomar na TV Cultura está disponível na íntegra aqui



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