A imaginação nossa de cada dia
Publicado em Andei Pensando... e Cotidiano.
Problemas concretos costumam ser solucionados a partir de atitudes concretas, mesmo que entre elas se inclua a expressão “deixa pra lá”, quando logicamente pensada e decidida de forma honesta. Por exemplo, é como quando se decidi perdoar a dívida de alguém, para então não ter que continuar sofrendo com a expectativa altamente improvável de se receber aquele dinheiro, que a muito tempo está perdido. Tudo é uma questão de decisão, mas às vezes pode acabar sendo de pura desilusão.
Quando tomamos uma decisão, devemos partir de algo que foi ou está sendo pautado em uma análise que, no mínimo observa a mesma situação por dois ou três diferentes ângulos. Atos resultantes de apenas um ponto de vista são sempre tendenciosos, e mostram claramente a necessidade que aquela pessoa está tendo de se livrar de um incômodo o mais rápido possível. Pais, professores e empresários costumeiramente erram, quando tendem a tomar decisões se apoiando em apenas um ou outro ponto de vista estático e via de regra, preconceituoso. Partindo dessas colocações, chego a acreditar que na enorme maioria das vezes, não sofremos por problemas concretos, já que esses direta e rapidamente clamam por uma resposta. Sofremos pela alta dose de imaginação que rotineiramente construímos sobre eles. Os seres humanos que tanto se vangloriam de serem animais superiores, em muitos momentos se perdem justamente por não serem capazes de discernir entre aquilo que estão vendo e aquilo que acham ou gostariam de ver.
Exagera-se tanto no uso dessa tal imaginação, que em certas oportunidades chega-se a criar um fato ou problema novo, n. vezes mais complexo que o verdadeiro. Quando diante desse tipo de situação, faz-se necessário o trabalho de garimpeiro da própria história, em busca das reais raízes do problema, que perversa e discretamente insistem em se enroscar com outras, que além de desconhecidas, as tornam confusas e sufocadas. Problemas imaginários não tem solução direta, pois se caracterizam por serem recheados de distorções e aberrações pertencentes ao mundo de magos e gurus, que estupidamente se negam a encarar os seres humanos como competentes, mesmo quando, fugindo de detalhes extras, se concentram nas questões que realmente os incomodam.
Expressões do tipo “o que os outros vão pensar” e “a gente não pode só ouvir e ficar calado”, costumam nos levar a uma condição de escravos da imaginação alheia, e então deixamos de sofrer pelo problema em si, para sofrermos por aquilo que não está em nossas mãos, ou seja: o que interessa e preocupa, passa a ser “o que eu penso que os outros vão pensar a meu respeito”. Problemas reais tem condição de serem mensurados, e de posse do conhecimento dos riscos podemos até ter medos, porém suportá-los e tomarmos atitudes. Por outro lado os medos imaginários tornam-se insuportáveis, principalmente porque se alimentam de nossa própria tendência educacional de sempre esperarmos pelo pior. Observe que sem sombra de dúvidas, é mais fácil se trabalhar o medo de entrar em uma piscina, com alguém que tenha passado por uma situação real de afogamento (já que essa pessoa tem noção do risco e da possibilidade de enfrentá-lo, por pior que tenha sido), do que com alguém que de tanto ser perturbado pelo receios de outros, acredita-se totalmente incapaz diante de tal monstruosidade.
Quando criança na década de 70, eu e meus amigos tínhamos medo de assombrações e outros seres nunca vistos, enquanto que muitas crianças de nossos dias se divertem assistindo os mais diferentes filmes de terror.Se essa constatação em algum momento lhe der a impressão de que as coisas então melhoraram, observe que hoje elas tem medos de pessoas vivas, e não me refiro apenas aos bandidos de plantão. Elas tem receios de confiar inclusive nos próprios amigos.
Não se engane. Usar a imaginação é ser criativo e estar em busca de se atingir metas, porém ser dependente dessa imaginação corrosiva, só nos coloca em uma condição de impotentes, e por isso mesmo menos humanos, já que nossa existência se justifica a partir daquilo que acreditamos e defendemos. Será que estamos cuidando para que as novas gerações consigam ser mais seguras, sem receios desnecessários e criativas; ou será que muitas vezes no afã de protegê-los acabamos por criar contos que de fada nada tem. Basta ao dia o seu próprio mal (Mt 6:34).
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